ARTE ÚLTIMA 1998
CASA FERNANDO PESSOA, LISBOA
Arte última (final)
109
A luz fugaz do entardecer recorta-te
e esclarece o Mundo.
110
Os sons desistem do Mundo e copulam por tédio
como o amor dos anjos - amam o poema que os redime
e fecunda num Éden desmecanizado e virtual
mas sublime e insensatamente possível.
Nada do que é linguístico me respeita
- só a vida na sua figuração menos medíocre.
111
Esqueço-me de onde venho.
Não me lembro para onde ia.
Fiz um pacto com o desconhecido.
Ignoro primordiais antagonismos e refaço-me
numa terceira coisa esvoaçando sobre o fogo.
Preparam-se novos mitos universais. Inauguremo-los -
lentamente pois não sabemos ainda aonde,
mas apressemo-nos -
a poesia está nalgum lugar.
A CÂMARA OBSCURA DO SUBLIME
Para ler este poema de Nuno Félix da Costa talvez seja necessário reexaminar a história da poesia portuguesa deste século. O registo que tem sido valorizado ao longo dela é, sem dúvida, o lírico. A efusão vocal do sujeito apresenta-se como a tendência não apenas dominante mas castradora de outras linhas que, no entanto, têm percorrido as suas décadas na sequência do primeiro poeta que rompeu com os limites estreitos do quadro subjectivo da voz poética: refiro-me a Álvaro de Campos. É claro que, em Campos, há apesar de tudo um registo individual que pode confundir-se com essa subjectividade usurpadora do poético - o que talvez me leve a substituí-lo por Alberto Caeiro nesta genealogia, até porque em Caeiro há, por outro lado, o aspecto do pensamento que subjaz à evidência lírico-bucólica (falsamente lírica e falsamente bucólica) do seu universo.
(…)
Nuno Júdice