PEQUENA VOZ (EDIÇÃO CEPE BRASIL)
´
Excerto da entrevista de Everardo Norões com Nuno Félix da Costa à volta da edição brasileira do livro Pequena Voz. Anotações sobre poesia.
(…)
A arte do momento, como a fotografia, que também é sua oficina, exige a paciência no aguardar o acontecimento inusitado. O que permite domar o instantâneo da fotografia ou o penoso fabrico do poema?
N.F.C.: Ficamos à espera do poema. Sabemos que surgirá. Mastigar a boca vazia: a palavra não se configura. Sabemos que é assim: partir de uma hipótese ou da extrema necessidade de “nada” se explicitar. Por vezes, a construção é muito difícil. Exige uma solidez que não pertence à vida, mas a uma muralha, a um palácio ou ao júbilo, até, mas que não garante o preenchimento da vida, o fecho da muralha, o fausto de um palácio nem uma razão para o júbilo sequer. É o que se pode dizer do nada de onde surge a poesia.
Nenhuma imagem, pela sua veemência realista, possui o espaço de significações da palavra, como se a própria imprecisão do significar dilatasse como na poesia, a concisão da expressão, como se o desejo frutificasse na sua própria construção e morresse por antecipação quando são explícitas as condições que o saciam.
Digo a poesia ser a boca de Deus – um silêncio intransponível feito de momentos a que nenhuma palavra se aplica, em que tudo pode acontecer e existir ou nada acontecer nem existir além do que o poema invoca.
(…)